Resenha Crítica – Por Gabriel Rodrigues Barbosa, associado Alumni do Instituto Líderes do Amanhã
A disputa política e econômica entre os campos de pensamento de esquerda e de direita no cenário brasileiro já deixou de ser uma novidade, com um acirramento sendo observado a partir da década de 2010. Na esteira desses debates, também foi intensificada a propagação dos ideais liberais, culminando, inclusive, na criação de “think tanks” voltados para a temática, com o Instituto Líderes do Amanhã.
Apesar da intensificação nas últimas duas décadas, a introdução do liberalismo tal qual conhecemos no Brasil remonta o intervalo entre as décadas de 1970 e 1980, tendo como um de seus grandes expoentes Donald Stewart Jr, autor da obra “O que é o liberalismo”. Filho de canadenses e nascido em 1931, o engenheiro e empresário teve como grandes inspirações os pensadores Friedrich Hayek e Ludwig von Mises.
Stewart Jr foi o fundador do Instituto Liberal, precursor de outros “think tanks” no Brasil. Além disso, foi o responsável pelas primeiras traduções para português de importantes obras do universo liberal, em destaque aquelas publicadas originalmente por Mises. Falecido em 1999, o autor esteve longe de ver a evolução de seu legado que pavimentou no Brasil.
Em “O que é o liberalismo”, o autor faz uma divisão em quatro capítulos, para dar ao leitor uma ampla visão a respeito dessa corrente de pensamento: (i) releitura histórica, para explicar as bases de fundação do liberalismo; (ii) abordagem das interações humanas, que embasam a utilização do meio liberal; (iii) conceitos básicos que norteiam o pensamento liberal e; (iv) a visão e expectativa do autor para o Brasil, após o processo de redemocratização ocorrido no final da década de 1980.
O renascimento do pensamento liberal
Segundo Stewart Jr, a origem do pensamento liberal tal qual conhecemos atualmente remonta ao período posterior à queda dos regimes absolutistas do mercantilismo como organização econômica vigente. Nesses regimes, os principais meios de produção eram de propriedade dos monarcas, ou concessões a “amigos do rei”.
A virada para o século XVIII trouxe consigo grandes revoltas populares, que reduziram o poder dos monarcas, fomentando maior liberdade individual para pensar e empreender. Esse cenário foi propício para o surgimento de diversos pensadores, responsáveis por acelerar a difusão do pensamento liberal.
Esse movimento de expansão e fortalecimento do liberalismo seguiu até o início do século XX, período marcado pela centralização de poder na mão de regimes monárquicos ou ditatoriais, culminando em duas Guerras Mundiais.
Com o pós-guerra, ocorreu o que o autor chama de renascimento do pensamento liberal, na esteira de grandes pensadores, como Hayek e Mises.
Ação humana e economia
O segundo capítulo de “O que é o liberalismo” é dedicado a expor a visão do autor a respeito das interações e motivações humanas.
Segundo Stewart Jr, a motivação básica de seres humanos é sair de um estado de menor satisfação para um de maior satisfação, utilizando isso como fator de evolução da sociedade.
O autor reconhece, também, o papel do Estado como um elemento estruturante na formação de sociedades, ao estabelecer leis que garantam a ordem. Já no que diz respeito às interações do mercado, destaca o papel do consumidor como o regulador, devendo sempre buscar um estado de maior satisfação. Do outro lado do mercado, é função do empreendedor buscar eficiências em seu negócio, que garantam ao seu produto competitividade de preço e qualidade perante sua concorrência.
O que é o liberalismo?
O terceiro capítulo da obra é dedicado a conceituar o liberalismo na visão do autor, que o define como uma doutrina política voltada para a melhoria das condições materiais da sociedade, baseada em três pilares: liberdade, propriedade e paz. No pilar liberdade, destaca, ainda, que esta deva ser sempre praticada tanto no campo político quanto no ponto econômico.
Na visão de Stewart Jr, isso é obtido por meio do: (i) livre mercado, sem restrições alfandegárias e com consumidores mandando no processo; (ii) autoridade monetária, com um banco central independente imune à manobras políticas, proibindo o Estado de emitir papel moeda na tentativa de implementar políticas populistas e de baixa responsabilidade fiscal; (iii) tarifas e impostos reduzidos, com o mínimo sendo empregado apenas para manutenção de obrigações básicas do Estado, e com a garantia do livre comércio internacional.
Para o autor, o papel do Estado consiste na preservação da vida, da liberdade e da propriedade. Suas funções básicas devem ser a saúde e educação, ainda que não necessariamente por meio de instituições estatais, mas sim com a adoção de tíquetes a serem utilizados pela parcela mais carente da população. Defende, ainda, que deva ser respeitada a divisão e independência entre os poderes Executivo, Legislativo e Judiciário.
A situação brasileira
No último capítulo da obra, o autor destaca a situação política e econômica brasileira no início da década de 1990. O contexto vivenciado por Stewart Jr naquela ocasião o leva a imaginar um futuro otimista para o Brasil: (i) fim da ditadura e retomada do processo democrático; (ii) redução do tamanho do estado, com a privatização de diversas empresas estatais; (iii) estabilidade da inflação e da moeda nacional com o Plano Real; (iv) povo brasileiro com histórico trabalhador e sem grandes conflitos internos; (v) eleição de Fernando Henrique Cardoso, com perfil que autor considerou como de centro-direita, sendo capaz de recolocar o país no rumo do crescimento.
Donald Stewart Jr faleceu em 1999, antes do término do segundo mandato de Fernando Henrique, não sendo possível viver os desdobramentos dos acontecimentos que pontuou no livro.
Conclusão
O livro “O que é o liberalismo” é uma obra de fácil e rápida leitura, sendo, principalmente, uma excelente opção para aqueles que estão iniciantes no liberalismo.
Também deve ser reconhecido o contexto histórico da publicação da obra, em que poucos brasileiros tinham acesso aos principais autores liberais do século XX, devido à ausência de traduções e de autores do tema em língua portuguesa. Donald Stewart Jr deve receber grande mérito, por ser o pioneiro em traduções e publicações sobre o liberalismo no Brasil. Também é notável o futuro vislumbrado pelo autor na ocasião em que a obra foi publicada. Ainda que as perspectivas otimistas elencadas no último capítulo não tenham se concretizado, alguns dos argumentos do autor ainda permanecem válidos. Isso pode demonstrar que a visão de longo prazo descrita pelo autor para o Brasil pode ainda não ter sido alcançado, mas ainda existe em algum lugar no futuro, dependendo apenas bons brasileiros para se concretizar.