Resenha Crítica – Por Efigenia Márlia Brasilino de Morais Cruz, Associada I do Instituto Líderes do Amanhã
“A Nascente” não é apenas uma obra de literatura; é uma verdadeira dedicatória ao individualismo, assinada pelo objetivismo. Ao ler o livro, com conhecimento da filosofia, o leitor utiliza as lentes (ou, por que não dizer, os olhos) da própria Ayn Rand.
Originalmente, Alisa Zinovyevna Rosenbaum, Ayn Rand nasceu em 2 de fevereiro de 1905, na Rússia. Testemunhou em primeira mão as consequências da Revolução Russa de 1917 e as subsequentes imposições políticas socialistas e comunistas que moldaram o país. Essas experiências impactaram profundamente sua visão de mundo e posteriormente, suas obras.
Rand cursou Filosofia na Rússia e nutriu um intenso amor pelas artes, especialmente o cinema, o que lhe proporcionou uma prestigiada oportunidade de escrever roteiros para Hollywood, onde conheceu seu marido, Frank O’Connor.
Rand imigrou para os Estados Unidos em 1926, onde encontrou liberdade para explorar suas ideias e talentos. Sua obra mais famosa, “A Revolta de Atlas” (Atlas Shrugged), publicada em 1957, tornou-se um marco na literatura e na filosofia política mundial. Neste romance épico, Rand apresenta sua filosofia do Objetivismo, que enfatiza a razão, o individualismo e o capitalismo laissez-faire como pilares fundamentais da sociedade ideal..
“A Nascente” foi sua primeira grande obra, publicada em 1943, originalmente em inglês como The Fountainhead, tendo como pano de fundo a luta do indivíduo, ser autônomo e pensante, detentor da razão como norte e a realidade como mapa, contra o coletivismo – um movimento que valoriza o altruísmo, a dedicação ao outro e a visão de que todos devem ser iguais no mundo. O livro alcançou tamanho sucesso adaptado ao cinema.
O enredo de “A Nascente” se desdobra com a história de quatro personagens centrais: Howard Roark, Peter Keating, Ellsworth Toohey e Gail Wynand, sendo inclusive a forma de divisão dos capítulos que são complementados com a introdução e o posfácio.
A trama acontece em Nova Iorque, onde Roark e Keating desenvolvem suas carreiras como arquitetos. Mantendo uma convivência relativamente próxima, ambos se conhecem desde a juventude da cidade natal e cursaram faculdade de arquitetura, tendo Roark não concluído o curso.
Expulso por não se encaixar no padrão da arquitetura da época, e por se negar a modificar seus desenhos após solicitação do reitor Roark migra para Nova York e busca trabalho com o arquiteto modernista mais decadente da época. Lá, ele aperfeiçoa suas habilidades e começa a desenvolver obras que primam pela funcionalidade, pela visão dos elementos e pela otimização de recursos.
Por outro lado, Keating se formou com honras, e ao chegar em Nova Yorque conseguiu alocação em um dos maiores escritores de arquitetura do país, Francon & Heyer, onde depois de anos de trabalho se tornou sócio.
Diferente de Roark, Keating não criava, mas copiava e reproduzia estilos existentes na arquitetura, tendo em diversas partes do livro, buscando frequentemente a ajuda de Roark para a criação original de projetos arquitetônicos.
A dualidade entre os personagens, decorre da visão do homem ideal na figura de Roark, desenhado em sua jornada de herói percorrendo todo caminho profissional pautando nos valores objetivistas da razão, autoestima e propósito, aplicados nas virtudes objetivistas: racionalidade, independência, integridade, honestidade, justiça, produtividade e orgulho, frente ao indivíduo de segunda mão, Keating que por não possuir virtudes, preenchia sua vida com escolhas de outras pessoas, optando pela arquitetura, enquanto gostaria de ser artista e se casando com quem não amava, dentre outras citações da história.
Roark ainda personifica o indivíduo disposto a pagar por suas escolhas, considerando que, em um meio onde prevalecia a arquitetura clássica, ele muitas vezes se negou a trabalhar em tais projetos, optando por trabalhar em uma pedreira para juntar dinheiro suficiente e retomar seu escritório.
Tratar deste personagem, é necessariamente entender que sua construção é baseada na filosofia do objetivismo, a começar com os axiomas da existência, do ser e da consciência, abordados por Rand.
Os outros dois personagens que possuem destaque são Gail Wynand e Ellsworth Toohey. O primeiro, possuidor da maior indústria jornalista da história, personifica o homem que por circunstâncias externas e escolhas próprias, se desvia do caminho das virtudes, adotando uma postura equivocada.
No caso de Wynand, isso se evidencia em sua descrença na integridade do indivíduo, baseando-se na premissa de que é necessário destruir todos que demonstram o mínimo uso dessa virtude.
Também na exaltação da mediocridade e produção de conteúdo através de seus jornais, como aplausos estridentes e vazios do coletivismo. Ao se deparar com Roark, Wynand percebe que não existem contradições e que suas premissas estavam absurdamente equivocadas, demonstrando certo arrependimento.
Por fim, outro importante personagem, caracterizado como vilão da história é Ellsworth Toohey, o verdadeiro patrocinador intelectual do coletivismo na obra.
Através de sua coluna nos jornais de Wynand, Toohey desenvolve ao longo do enredo uma trama de abdução do ambiente da consciência, elevando aos poucos homens e mulheres medíocres como vozes do coletivismo, com fulcro em destruir Roark e mais ainda, todo resquício de individualismo.
A vilania de Toohey pode ser identificada na atualidade, considerando que homens e mulheres despidos de consciência, manipuladores e cheios de si, por vezes tentam destruir a racionalidade.
O livro possui inúmeros outros pontos altos, no entanto, o volume e o rigor na retratação dos detalhes dificultam parcialmente a leitura fluida. Recomenda-se a leitura de obras filosóficas de Rand como preparação de leitura da Nascente.
De todo modo, a obra é a personificação do que pretende a autora ao dizer que o Objetivismo “como a filosofia para se viver na terra”.
Aplicação prática do livro
Considerando que o livro foi escrito com a base filosofia do Objetivismo, a leitura remete a necessidade de aprofundamento das premissas da filósofa, pelo que durante as pesquisas oportunamente se aprofundou no entendimento da filosofia aristotélica, base utilizada por Rand.
Compreendidos os axiomas e o fato de que o objetivismo permeia os cinco ramos da filosofia, foi possível aplicar os conhecimentos adquiridos e discernir quais valores devem ser prioritários e quais virtudes podem ser aplicadas no dia a dia. Além disso, o entendimento da filosofia permite rejeitar aquilo que é contrário às crenças individuais.
O conhecimento da filosofia do objetivismo e da própria obra também gerou grande reflexão e a certeza de que viver integralmente as virtudes pode ser doloroso e quase impossível, mas certamente é um caminho que visa um importante fim: a priorização do individualismo.
Frases como:
- Dizer não;
- Pensar em si;
- Amar o objeto de desejo porque é importante para si, não para o outro;
- Priorizar a racionalidade em detrimento da emoção e outras são algumas das lições extraídas. De todo modo, o livro pode não ser aplicado em toda a integralidade a depender da crença que se exerce, servindo de reflexão sobre a capacidade humana de criar (e pensar).