Resenha Crítica – Por Elimar Fardin Lorenzon, Associado II do Instituto Líderes do Amanhã
Ludwig von Mises (1881-1973) é um dos maiores expoentes da economia do século XX, reconhecido por suas contribuições à Escola Austríaca, seu compromisso com a defesa da liberdade econômica e suas críticas ao socialismo. Nascido em Lemberg, então parte do Império Áustro-Húngaro, Mises produziu uma série de obras influentes, como “Ação Humana” (1949), “A Mentalidade Anticapitalista” (1956) e “As Seis Lições” (1979). Foi professor na Universidade de Viena, e, com a ascensão do nazismo, Mises, que era de ascendência judaica, foi forçado a emigrar para os Estados Unidos em 1940 devido ao avanço do nazismo, continuando seu trabalho acadêmico e influenciando uma geração de economistas, incluindo futuros ganhadores do Prêmio Nobel, como Friedrich Hayek. Seu legado persiste como fonte de inspiração para economistas, acadêmicos e defensores da liberdade individual em todo o mundo.
Em uma de suas obras mais significativas, intitulada “O Liberalismo” e escrita em 1927, Mises explora os princípios fundamentais do liberalismo clássico e suas implicações práticas em diversas áreas da sociedade. O livro visa esclarecer e defender a liberdade individual, a economia de mercado, a prosperidade privada e o estado mínimo.
Para explorar esses temas e responder a questionamentos comuns sobre o liberalismo, Mises introduz uma série de indagações e pontos de vista controversos. Ele aborda, por exemplo:
- A relação entre a expectativa de racionalidade humana e a confiança em argumentos lógicos versus intuição e impulsos;
- A hipótese de o capitalismo ser um sistema estruturado para favorecer gente rica e de posses, à custa das outras classes;
- A existência de justificativas moralmente defensáveis para os direitos da propriedade privada.
Mises defende que o liberalismo, fundamentado na razão, é a única filosofia política capaz de garantir o progresso econômico, social e moral da humanidade. Ele argumenta que a economia de mercado é indispensável para a estabilidade a longo prazo, destacando que o intervencionismo, mesmo com objetivos nobres como o bem-estar social, gera mais problemas do que soluções, podendo levar à socialização completa da economia.
Em relação ao paradoxo da racionalidade do liberalismo, que, muitas vezes censurada pela suposta limitação em reconhecer assuntos ligados ao sentimentalismo, Mises é claro: “O homem deve à razão tudo o que ele é e que o eleva acima dos animais. Por que, então, deveria o homem desprezar o uso da razão justamente na esfera do social, e confiar nos sentimentos e impulsos vagos e obscuros?”. Vale reforçar que, ao contrário de Mises, Friedrich Hayek, um de seus mais notáveis discípulos, possuía um posicionamento diferente, pois acreditava que, além da razão, as tradições e instintos tiveram (e ainda possuem) um papel relevante na formação social.
Ao longo do livro, Mises faz uma análise crítica de várias ideologias e sistemas políticos que andam de encontro ao liberalismo, como o socialismo, o nacionalismo e o autoritarismo, demonstrando como essas ideologias tendem à tirania, opressão e declínio econômico, enquanto o liberalismo promove a prosperidade, paz e desenvolvimento humano.
Para exemplificar suas análises, Mises recorre a momentos históricos e conceitos da psicologia, como o “complexo de Fourier”, uma condição mental patológica na qual o indivíduo opta pelo socialismo mesmo sabendo que isso será pior para si, porém, satisfeito em saber que o fim do capitalismo prejudicaria ao próximo. Vê nesse ressentimento a própria consolação ou ilusão por seus logros não alcançados.
Ainda em defesa do capitalismo que Mises define como sendo uma sociedade em que os princípios liberais são postos em prática, há a evidência da revolução industrial, duramente criticada por defensores do socialismo. A revolução deve ser interpretada como, de fato, ela foi: na melhor satisfação das necessidades das massas. Seja no desenvolvimento da indústria do vestuário, na mecanização da produção de calçados ou na melhoria do processamento e distribuição de alimentos, que permitiu um acesso maior a bens e melhorias na qualidade de vida para as massas.
Ao enfatizar as premissas do liberalismo, Mises direciona uma atenção especial ao conceito de propriedade, que ele considera como a palavra que melhor encapsula o verdadeiro significado do programa liberal. Dentro do contexto econômico, ele emite críticas contundentes à desigualdade social e ao consumo de itens de luxo. O autor argumenta que muitas das coisas que hoje são consideradas necessidades já foram vistas como luxos em algum momento no passado. Consequentemente, o luxo de hoje muitas vezes se transforma na necessidade de amanhã. Mises destaca que o consumo de luxo estimula a indústria a inovar e introduzir novos produtos, desempenhando um papel crucial na dinâmica da economia. Ele exemplifica esse fenômeno observando como itens como garfos, carros, celulares e uma infinidade de outros produtos passaram de artigos de luxo a objetos de consumo comuns. O autor também enfatiza o papel central da propriedade no liberalismo, argumentando que ela é essencial para estimular a inovação e o progresso econômico, além de refletir sobre temas como desigualdade social e consumo de luxo.
Embora a obra de Mises seja uma valiosa defesa dos princípios liberais, alguns pontos merecem um olhar especial de reflexão, pensando no melhor entendimento do leitor médio de seus ensinamentos:
- Liberdade e escravidão: Mises aborda que os escravos suportavam a condição de escravidão, isto é, sua servidão, por encontrar algum bem nessa relação, e não apenas pela força de seus senhores. Ele afirma que “o escravo não precisa preocupar-se em assegurar o pão de cada dia, pois seu senhor é obrigado a provê-lo com as necessidades da vida.” Acrescenta que “Os trabalhadores escravos se acostumaram à servidão e não a encaravam como um mal.” e “Não estavam prontos para a liberdade e não saberiam o que fazer dela! A interrupção dos cuidados prestados pelo senhor seria muito prejudicial a eles!”.
Para discorrer desse ponto justamente enquanto defende que a liberdade é um valor inalienável, certo cuidado é recomendado. Não fosse a força dos senhores, a condição de escravidão não existiria. E o argumento fundamental em favor da liberdade ser benéfica para ambos é apresentado, mas apenas no último parágrafo do capítulo. “(…) Este é o resultado do trabalho livre. Ele é capaz de criar mais riquezas para todos do que o trabalho escravo pode oferecer aos senhores.”
- Regimes intermediários entre socialismo e capitalismo: Quando Mises discorre sobre o socialismo, capitalismo e uma terceira possibilidade de organização social, o intervencionismo, ele acrescenta que o sistema de redistribuição periódica da propriedade, bem como o sistema sindicalista, não serão discutidos. “Esses dois sistemas não estão, em geral, em questão. Ninguém que seja levado a sério os defende”. A discussão das variações dos sistemas desconsiderados pelo autor para fins de uma rápida contextualização seria, de fato, válida, principalmente por lembrar que o livro vislumbra, de forma didática, a instruir o leitor sobre o liberalismo e suas relações com a sociedade e com outras políticas econômicas.
- Relação com o fascismo: Ao afirmar que “Não se pode negar que o fascismo e movimentos semelhantes, visando ao estabelecimento de ditaduras, estejam cheios das melhores intenções e que sua intervenção, até o momento, salvou a civilização europeia”, sem destacar, também, os efeitos danosos desse sistema é uma postura ousada. Contudo, ao final de seus argumentos, Mises acrescenta que o fascismo constitui um expediente de emergência e que encará-lo como algo além disso seria um erro fatal.
Em conclusão, “O Liberalismo” de Mises, embora escrito há quase um século, continua a ser uma obra atual e relevante, oferecendo uma defesa convincente dos princípios liberais e uma crítica perspicaz às ideologias antiliberais.