Resenha Crítica – Por Brigida Roldi Passamani, Associada II do Instituto Líderes do Amanhã
De advogado em um escritório tradicional a um dos mais prestigiados e relevantes capitalistas de risco do mundo. Esse é o pano de fundo que deu origem à obra De zero a um: o que aprender sobre empreendedorismo com o Vale do Silício, escrito por Peter Thiel, publicado em 2014 nos Estados Unidos e traduzido, no mesmo ano, para o português.
O livro é resultado de uma disciplina de empreendedorismo e startups ministrada na Stanford University, em 2012, cujas anotações de Blake Marters transcenderam o campus para ajudar dezenas de milhares de pessoas ao redor do mundo a criar coisas novas, percorrendo trilhas diversas daquelas vislumbradas pelas especialidades acadêmicas convencionais.
Em 216 páginas, o autor condensa toda a experiência acumulada com a co-fundação do Paypal e da Palantir Technologies, gigantes dos segmentos de meios de pagamento e data science, além dos anos na posição de investidor de centenas de startups, como Facebook, Space X, incluindo o banco digital brasileiro Nubank,através de seu braço de venture capital, a Founders Fund.
Por meio de uma linguagem simples, dialogando diretamente com o leitor e recheado de exemplos práticos de quem esteve inserido ou, no mínimo, bem próximo a cases de sucesso e insucesso no Vale do Silício, o livro convida à reflexão, logo em seu primeiro parágrafo, a respeito da indagação sobre “qual verdade importante pouquíssimas pessoas concordam com você?”. De modo que será esse o conjunto de crenças, irrepetíveis em um cenário amplo, que conduzirá uma ideia ao sucesso.
Três grandes noções estão estampadas no livro: (i) a de que somente a tecnologia é capaz de conduzir à humanidade ao progresso; (ii) a de que mercados competitivos destroem os lucros; e (iii) a de que as vendas e a publicidade importam tanto quanto o produto.
Para o autor, o progresso da humanidade atende a duas variáveis antagônicas, embora complementares. Enquanto o progresso horizontal é metrificado pela globalização, isso é, a capacidade de ir de 1 a n (replicando modelos, produtos, serviços e metodologias que funcionem em um lugar para os fazerem funcionar em todos os lugares), o progresso vertical atende a outro chamado, o da tecnologia, única capaz de fazer o homem ir de 0 a 1, imaginando e criando algo novo, de um modo disruptivo.
Pensar em formas variadas de produção e distribuição de energia elétrica, de modo mais econômico, com menos interferências ambientais e com maior capacidade de transmissão é progresso horizontal. Fazer com que um filamento de tungstênio, ao ser perpassado por uma corrente elétrica, tenha seus átomos aquecidos ao ponto de gerarem luminosidade, enquanto boa parte dessa energia é transformada em calor, é progresso vertical.
Do filósofo grego Tales de Mileto, no século 6 a.C. (que descreveu o fenômeno da eletricidade estática), ao feito de Thomas Edison, em 1879 (de manter uma lâmpada incandescente brilhando por 48 horas seguidas), 25 séculos se passaram e o que hoje é um item normal de consumo custou à humanidade mais de dois mil e quinhentos anos para ser desenvolvido. Não há dúvidas de que a descoberta e manejo da eletricidade levou a humanidade de 0 a 1.
À respeito dos mercados competitivos, é desenvolvida a ideia de que apenas criar valor é insuficiente para se manter na crista da onda no mercado, de modo que esse valor precisa ser (re)capturado por parte de quem o cria. Significa que a concorrência impede que negócios, por mais inovadores que sejam, obtenham lucro no longo prazo. E, considerando que o oposto da concorrência é o monopólio, é esse o objetivo de todos aqueles que desejam prosperar.
Nesse ponto, Thiel afirma que os norte-americanos idealizaram a concorrência como o modelo ideal de desenvolvimento do capitalismo, quando, na verdade, criar e conquistar valor duradouro no mercado é sinônimo de desenvolver produtos e prestar serviços monopolistas, cujos lucros acentuados promovem um poderoso incentivo à inovação. Só é possível pensar em inovação quando não se está jogando o jogo do “mata-mata” diário, segundo o autor. E esse é um luxo que apenas grandes monopolistas (como o Google ainda é, ou a Microsoft já foi), podem se dar.
Monopólio criativo implica em produtos novos ou serviços aprimorados que beneficiam a todos e lucros sustentáveis para o criador. Concorrência, por outro lado, implica na ausência de lucros no longo prazo, nenhuma diferenciação significativa e uma luta diária por sobrevivência.
Dentre inúmeras lições valiosas, o leitor encontrará no livro destaque às vendas, especialmente ao marketing e à publicidade. Afinal, o que explica a enorme vantagem do – antigo – Twitter (atualmente, X) em face do New York Times Company? O seu fluxo de caixa, ou, melhor dizendo, a sua capacidade de gerar fluxos de caixa no futuro, descontados a valor presente. Para Thiel, mesmo no Vale do Silício, a importância esmagadora dos lucros futuros é contraintuitiva, em particular porque as métricas são apuradas em curtíssimo prazo, afinal, o crescimento anual é fácil de medir, enquanto a durabilidade de uma ideia, não.
E lucro se faz com venda (ou a venda de produtos e serviços, ou a abertura do capital da própria empresa). Dessa forma, falar em estruturas enxutas ou dimensionamento de despesas faz sentido enquanto estratégias de contenção, jamais de crescimento. Para crescer exponencialmente, é preciso de uma cultura forte, que transcende os fundadores, e de vendas, sempre e inevitavelmente.
Afinal, aquele que inventou algo novo, mas não inventou uma forma eficaz de vendê-lo, possui um mau negócio – por melhor que seja o produto.
Perpassado pelos pontos acima, tendo trabalhado ao lado de nomes como Elon Musk, Thiel é categórico ao afirmar que a tecnologia é milagrosa porque permite ao homem fazer mais, com menos, especialmente em mercados e cenários de escassez. De zero a um é um livro sobre como a criatividade e a coragem de repensar soluções em busca de inovação significa inexistir fórmulas mágicas para o sucesso.
De volta à pergunta de abertura da obra, a respeito da indagação sobre “qual verdade importante pouquíssimas pessoas concordam com você?”, os melhores empresários sabem que todo grande negócio se constrói em torno de um segredo que é oculto aos de fora. Uma grande empresa é uma conspiração para o mudar o mundo, de 0 a 1.