Resenha Crítica – Por Efigenia Brasilino, Associada Trainee do Instituto Líderes do Amanhã
Para uma população como a brasileira, acostumada à instabilidade política, inflação alta e influência de grupos de pressão que se digladiam em busca de privilégios, certamente a obra “As Seis Lições” é uma leitura de extrema importância.
Nascido na Áustria em setembro de 1881, Ludwig Heinrich Edler von Mises foi e ainda é um dos economistas mais lidos da Escola Austríaca, que tem como pilares centrais de pensamento econômico o livre mercado e a ênfase na atuação individual, que, notoriamente, promovem a liberdade. A obra objeto desta resenha é a transcrição de seis palestras ministradas na Argentina, em 1959, na Universidade de Buenos Aires (UBA).
Ao longo da leitura, o leitor terá acesso a várias das ideias e teorias criadas pelo pensador austríaco, a começar pela primeira lição (o capitalismo), em que Mises retrata a origem histórica do capitalismo, uma inovação do sistema econômico que trouxe como principal consequência a mobilidade social.
Enquanto uma parte da população era aristocrata ou plebeia, a grande massa era formada por párias (população excedente), que não possuíam terras herdadas ou bens. Sendo-lhes vedado o acesso ao trabalho nas indústrias de beneficiamento, cabia ao governo interná-los em asilos ou casas de correção.
Em algumas regiões da Europa, sobretudo nos Países Baixos e na Inglaterra, “essa população tornou-se tão numerosa que, no século XVIII, constituía uma verdadeira ameaça à preservação do sistema social vigente (Maria Luiza Borges, Instituto Mises).
Tais párias, com a chegada do capitalismo, adquiriram, através do exercício da liberdade econômica, o direito produzir bens de consumo em massa, saindo da miséria e do sofrimento.
Em razão dessa inovação, que culminou na geração de riqueza, o capitalismo impactou o próprio sistema social. O regime capitalista é voltado a atender a coletividade, que, além de consumir, produz com melhor preço e mais qualidade, para uma maior quantidade. Também promove a sustentabilidade social, pois quem produz é remunerado, criando assim, o ciclo da riqueza, independentemente de origem econômica e classe social do indivíduo.
Isso fica evidente quando analisamos de forma histórica a evolução da população mundial, que era de 760 milhões até o século XVIII, passando a um bilhão de pessoas no século XIX, sendo um milhão apenas no Reino Unido. O autor ainda aborda a visão do não capitalista e o desejo de suprimir essa evolução, como ocorre diariamente, por meio de políticas intervencionistas e de pessoas que primam pelos próprios privilégios.
Na segunda lição, o socialismo, Mises apresenta o conceito de socialismo, especificando a diferença para o capitalismo, em que os patrões são os próprios consumidores. Essa visão é paradigmática, uma vez que o senso comum é de que a força motriz é do fornecedor e não do consumidor. O próprio direito brasileiro é construído dessa forma.
Outro ponto interessante dessa lição é a liberdade, abordada de forma objetiva. Significa dizer que a liberdade de acerto e erro do indivíduo é primordial para haver uma sociedade economicamente forte, sendo a interferência do Estado nas escolhas um mal a ser combatido diariamente.
Fato é que a liberdade plena existe apenas no conceito metafísico ou filosófico, porém, são nas relações individuais e econômicas que se dá o direito de escolha e a assunção das suas consequências, o corolário mais contendente e realístico da expressão “eu sou livre”.
Cumpre trazer contraponto com o socialismo, cuja teoria contém previsibilidade de ação, baseada em um plano supremo e mitigador que torna quase nula a individualidade. Em outras palavras, o sistema foi criado para matar o que mais precioso o homem possui: a escolha de ser livre.
Além disso, Mises trata o desfazimento da sociedade de status após a vigência do capitalismo, uma vez que a desigualdade social foi impactada com o acesso de todos (desde o proletariado até a burguesia) aos bens de consumo.
Na terceira lição (o intervencionismo), Mises aborda a relação entre o desequilíbrio do poder do Estado em vista do particular e como isso interfere na economia. Exemplos citados neste capítulo nos fazem compreender como estamos sujeitos e somos afetados pelo intervencionismo, como no tabelamento de preços, cuja finalidade é evitar a escassez. Nesse exemplo, é muito interessante a abordagem do autor quanto às medidas contrapostas pelos comerciantes, que, por vezes, encontrarão caminhos para preservar sua margem de custo e mitigar prejuízos.
Não incomum é ler notícias como a registrada na história capixaba remetendo à destruição voluntária por alguns produtores de tomate. Por meses, o cenário do mercado era de preços altos para a venda da caixa (cerca de R$ 40,00), quando em razão de uma queda brusca, os produtos passando a ser comercializados por R$ 7,00, uma redução de mais de 80% do valor.
Produtores afetados preferiram descartar toneladas de tomates, visto que o valor pago sequer custearia o frete e os tributos, portanto optaram por não os revender no mercado a preços módicos. O principal ponto dessa lição está ligado à não efetividade da intervenção econômica, que fica evidente na existência da escassez de produtos, a qual ocorre mesmo com a intervenção do Estado na manipulação dos preços.
Na quarta lição (a inflação), Mises trata de forma realista a cobrança dos impostos pelo Estado, deixando claro que, para obter uma fonte de renda, é necessário cobrar mais impostos. No Brasil, temos a distinção entre receita derivada e originária. Enquanto a primeira é baseada na prestação de serviços estatal (que quase não existe), a segunda é baseada na tributação. É essa relação (de onde o dinheiro vem) que gera a inflação, conforme o autor.
Necessariamente, a emissão de moeda gera inflação, visto não impactar a oferta, ou seja, embora exista mais dinheiro (papel-moeda) e mais demanda, a oferta de produtos permanece a mesma, o que fará com que o preço suba, ainda que apenas dos produtos altamente procurados. Um ponto muito importante nessa lição é que a inflação afeta a todos, ainda que em tempos variáveis ou em proporções menores.
Na quinta lição (o investimento estrangeiro), Mises demonstra a importância do investimento externo para o desenvolvimento econômico, pois resulta em pontos positivos não só para o investidor, mas para o país destino do investimento, com uma melhoria que pode ser alcançada apenas por meio de capital. Um dos exemplos citados pelo autor é a elevação da média salarial dos países onde o investimento foi realizado, o que leva a observar que, obviamente, esses países possuíam mão de obra barata e em abundância. Portanto, essa é uma das condições para a realização do investimento externo.
Na sexta e última lição (políticas e ideias), Mises aborda como a criação do sistema constitucional do século XVIII e XIX criou um abismo entre as faces econômica e política.
A equivocada visão de que um povo livre não está interessado ficou permeada por desejos humanos e grupos de pressão que, além de marcados com volatilidade, manipulam a economia. Nessa toada, surgem as figuras dos “partidos”, grupos que possuem pontos em comum, mas que manifestam ideias próprias, voltadas a suprir necessidades em desacordo com a visão da liberdade: mais privilégios às custas de outros.
É fundamental destacar um exemplo trágico e indignante: o infame Fundão Eleitoral, alocado para partidos políticos e coligações, atingindo a absurda quantia de 4,96 bilhões de reais. Para dimensionar a gravidade, esse montante supera o PIB da cidade de VIANA, estimado em 4,227 bilhões de reais pelo IBGE em 2021, que abriga aproximadamente 79.500 pessoas, demonstrando a disparidade colossal entre o custo que todos pagam para poucos.
Por fim, a visão de Mises é cristalina ao ensinar a necessária perpetuação das boas ideias. Não só as ideias puras e simples, mas as boas, as quais discutem os verdadeiros problemas da sociedade e as maneiras de fugir das políticas nocivas que entram sorrateiramente como ervas daninhas na mente das pessoas que não possuem capacidade de pensar por si e acabam manipuladas pelos grupos de pressão.
Se você não consegue entender o significado disso, certamente a leitura da obra “As Seis Lições” é o melhor caminho, afinal somente as boas ideias podem iluminar a escuridão.