Resenha Crítica – Por Gabriel Rodrigues Barbosa, Associado III do Instituto Líderes do Amanhã
Qual é a coragem necessária para se empreender em um negócio amplamente dominado por marcas estrangeiras? Quanta paixão e resiliência um empreendedor deve ter para conseguir perpetuar sua marca? Como fazer de sua marca uma referência a nível mundial?
Essas e outras perguntas podem ser respondidas no livro “A marca da vitória”, uma autobiografia do empresário americano Phil Knight, conhecido por ter sido um dos fundadores da marca de calçados e artigos esportivos Nike, ao lado do treinado Bill Bowerman. Nascido em 1938, no estado americano de Oregon, Phil releva em sua obra parte de sua história empreendedora e de sua vida, que em diversos pontos se entrelaçam.
Dividida entre os anos de 1962 e 1980, a biografia apresenta uma saga, a gênese de uma das maiores marcas da atualidade, forjada em muita paixão, resiliência e visão de seus fundadores, especialmente de Knight.
1962 a 1965: viagens, sonhos e exploração
Aficcionado por corridas, Phil Knight é inicialmente apresentado no livro aos 24 anos, logo após finalizar seu MBA, ao apresentar uma tese sobre o mercado de tênis de corridas. Demonstrando ter um traço de inquietude, o recém-graduado também serviu ao exército americano no período, como oficial. Ou seja, com apenas 24 anos já tinha buscado diversos rumos profissionais para sua vida.
Nesse período, passou a nutrir dois objetivos: fazer uma viagem de volta ao mundo e seguir com sua “Ideia Maluca”, de entrar no mercado de calçados esportivos, a partir da importação de tênis de corridas japoneses.
Fugindo do caminho tradicional, de buscar emprego em uma empresa renomada em seu estado natal logo após construir um currículo respeitável com tão pouca idade, Knight optou por fazer uma viagem em vários países, em busca de propósito e espiritualidade.
Ao visitar o Japão, fez o seu primeiro acordo de fornecimento de tênis de corrida, fundando assim a Blue Ribbon. Observa-se nesse momento da vida de Knight grande coragem, ao buscar uma parceria sem ter capital ou uma operação estruturada, além de fomentar negócios com um país que tinha sido um recente rival dos Estados Unidos na 2ª Grande Guerra.
1966 a 1971: ascensão e crises
Após iniciar as operações da Blue Ribbon, a empresa passa a apresentar um rápido crescimento, dobrando suas receitas ano após ano. O que o empresário americano acabara de criar foi uma empresa operando em modelo similar a uma “startup”, com crescimento acelerado e problemas de fluxo de caixa e lucratividade, ainda que na década de 1960 o conceito não fosse difundido como atualmente.
Demonstrando sempre uma grande coragem, por acreditar na empresa a ponto de operá-la cada vez mais alavancada sem margens para erros de estratégia, Phil travou inúmeras batalhas com bancos americanos em busca de crédito, sempre alimentado por sua paixão pelo esporte e por sua empresa.
Ainda nesse período, a empresa sofreria um novo baque ao se ver cada vez menos capaz de se alavancar e pior: com a iminente cisão junto a seu fornecedor japonês de calçados.
1972 – 1980: nova marca e velhos padrões
Diante da cisão junto à Onitsuka, fornecedora exclusiva da operação da Blue Ribbon, e ausência de crédito financeiro no mercado, Phil Knight e seu time foram obrigados a nova tomada de decisão de alto risco.
Romper litigiosamente com o antigo fornecedor e parceiro, criar uma nova marca do zero e buscar um novo parceiro para apoiar o financiamento da operação foram as principais ações do time da Blue Ribbon no início da década de 1970, vsiando manter a sobrevivência da operação. Ainda que os integrantes do alto escalão da empresa não soubessem, nascia naquela ocasião a Nike que, décadas mais tarde, passaria a ser reconhecida como uma das marcas mais famosas e valiosas do mundo.
Knight demonstra, ao longo do livro, uma perceptível humildade, que fica evidente no episódio da fundação da Nike. Voto vencido na escolha do nome da nova marca, em alusão à deusa grega da vitória, Atena Nike, o empresário admite e demonstra o fator improviso e adaptabilidade no dia a dia de sua operação. Outro episódio que demonstra esse traço foi a escolha da logo, hoje tão famosa, surgida de um esboço contratado e elaborado sem grandes pretensões.
A primeira década da nova empresa foi marcada pela rápida absorção pelo mercado, expansões pautadas em estratégia e maior envolvimento com o esporte olímpico, o que mostraria ser uma grande alavanca para o sucesso da Nike.
A obra termina com os momentos que sucedem a abertura de capital da Nike, algo que tinha sido descartado por Phil Knight em diversas ocasiões, mas que se tornou inevitável e crucial para a continuidade da empresa.
Resumir, em tão poucos parágrafos, a história de uma das mais importantes marcas das últimas décadas e seu fundador é impossível. Porém, em “Marca da Vitória” é possível, além de se inspirar pela trajetória de Nike e Phil Knight, extrair traços e “insights” que podem ser levados para a vida profissional.
Paixão e crença ferrenha no propósito do negócio
Phil Knight teve sua jornada marcada pela paixão por esportes, especialmente por corridas de rua, o que o fez determinar com mais facilidade o propósito da Nike. Com grande sinergia com o ambiente de corridas, a empresa conseguiu se destacar rapidamente dentre os adeptos do esporte, por conseguir atender com qualidade e baixo custo suas necessidades. Essa paixão foi determinante para o surgimento e continuidade da empresa, atuando sempre como um combustível.
Resiliência e ousadia do fundador
Em inúmeras ocasiões, o negócio, mesmo no período de Blue Ribbon, teve sua existência colocada em cheque. Como Phil aborda diversas no livro, a dificuldade para acesso a crédito foi uma constante, surgindo sempre como um obstáculo ao crescimento da empresa. A empresa também foi fortemente ameaçada por seu primeiro parceiro comercial, no momento em que este optou por romper a relação de fornecimento. Entretanto, esse momento foi de suma importância, por marcar justamente o surgimento da Nike.
O próprio ato de apostar constantemente no crescimento exponencial da companhia, a despeito da ausência de caixa e crédito bancário, foi um ato de ousadia do time da Blue Ribbon/Nike.
Time engajado e “comprado” com os ideais da marca
Ter um time engajado e “comprado” nos ideais da empresa também se mostrou um fator fundamental para a o sucesso alcançado pela Nike. Com alguns principais líderes do time advindos do mundo das corridas de rua e outros identificados com o espírito de desafiante da empresa, Knight montou uma equipe capaz de se sacrificar e performar ao máximo em prol do sucesso. Em diversas ocasiões, os líderes da empresa aceitaram mudanças drásticas em suas vidas pessoais, graças à paixão nutrida pela empresa.
Visão estratégica
Demonstrando certa humildade em diversos trechos do livro, o empresário admite em alguns pontos que decisões e pequenas vitórias da Nike foram fruto do acaso ou do trabalho do time, apesar de até mesmo episódios de desdém do fundador, como no caso da escolha do nome e marca Nike. Apesar disso, a obra demonstra na prática a máxima de que sorte é a união de oportunidade com preparo.
Foram vários episódios que demonstraram a capacidade de Phil Knight para a visão estratégica. Pioneiro ao importar a marca Onitsuka para os Estados Unidos, a fim de lutar com o grande “market share” da Adidas, o empresário fez posteriormente diversos movimentos estratégicos para manter o direito de distribuição da marca japonesa.
Anos mais tarde, já sob a alcunha de sua marca própria, o empresário teve visão o suficiente para estabelecer uma cadeia de suprimentos eficiente o suficiente para atender a demanda de seus clientes, sendo capaz de enxergar a tempo possíveis crises de fornecimento graças a ações geopolíticas e até mesmo de ser o primeiro fornecedor de calçados esportivos a entrar na então China comunista dos anos 1970.
Houve, ainda, o episódio de aposta no desenvolvimento de tecnologias pioneiras, ainda que em alguns momentos de maneira amadora, tendo em vista sempre a performance e funcionalidade de seus calçados. Um exemplo disso foi a aposta nos solados com bolhas de ar, uma tecnologia capaz de aumentar a performance de corredores e que tinha sido rejeitada pela rival Adidas e que posteriormente se provou um grande sucesso comercial e esportivo.
Por todos esses pontos de aprendizado e pelo tom apaixonado e sincero de Phil Knight ao longo de toda obra é que “Marca da Vitória” é um livro sensacional, contagiante e altamente recomendável para qualquer tipo de leitor.