Artigo de Opinião – Por Brigida Roldi Passamani, Associada II do Instituto Líderes do Amanhã
Compreender o universo jurídico que envolve a atividade empresarial é tarefa complexa. Para além do desenvolvimento de habilidades gerenciais, de gestão, mercado e vendas, persistem diversas classificações acerca dos tipos empresariais existentes no ordenamento jurídico brasileiro. É possível que a multiplicidade normativa cause intensa perplexidade e confusão com tantos nomes, possibilidades e requisitos.
Não é necessário, no entanto, que assim seja. Em geral, do ponto de vista científico, as classificações são feitas para facilitar a compreensão de um conjunto de fatos, coisas ou fenômenos. Por essa razão, quando as classificações não facilitam a compreensão de um tema (ao contrário, o complica), pode-se afirmar não ter cumprido satisfatoriamente a sua missão.
No caminho para se compreender a teoria por trás da prática empresarial, algumas expressões são figuras repetidas. São exemplos os conceitos de affectio societatis, intuitus personae ou intuitus pecuniae. O fato é que uma classificação concisa o suficiente para explicar o motivo de cada formatação e exigência jurídica, capaz de abarcar a inteireza dos fenômenos de mercado, tornaria o sistema menos complexo e mais próximo da realidade dos indivíduos.
Dito isso, qualquer classificação das sociedades empresárias deve satisfazer, ao mesmo tempo, as exigências econômicas e jurídicas dos fenômenos por si engendradas. Não basta que apenas um desses dois eixos esteja atendido. As sociedades possuem metas econômicas para atingir (e, assim, sobreviver no mercado) e possuem normas jurídicas para cumprir (e, assim, se manterem protegidas e regulares).
A classificação pautada na contribuição de cada sócio à pessoa jurídica dá conta de reunir os critérios necessários para organizar os fenômenos jurídicos e alinhá-los à realidade prática.
Dividem-se as contribuições em duas espécies: a de capital e de trabalho. Sozinhos, tais critérios conduzem a doutrina econômica e jurídica através das repercussões possíveis do fenômeno empresarial, desde a responsabilidade limitada do patrimônio dos sócios, até orientação quanto ao tipo de remuneração e ao trabalho que será desempenhado por cada um.
Capital e trabalho, nada mais são do que a moeda que cada sócio possui ao ingressar na sociedade. O sócio ingressante credita-se de um sinal positivo em relação à empresa (pago em forma de pró-labore ou dividendos), constituído por meio do seu trabalho ou do seu capital, podendo contribuir com ambos (sendo comum que assim ocorra).
Com o capital, a contribuição será patrimonial. E com o trabalho, a contribuição será pessoal.
A contribuição patrimonial, pela sua natureza, se dividirá em duas e, depois, em duas novamente: poderá ser uma contribuição ilimitada (caso atinja o patrimônio particular do sócio) ou limitada (neste último caso, limitada às suas ações ou quotas). Já a contribuição pessoal se subdividirá não em espécies, mas em graus, podendo variar entre máxima ou mínima. Veja-se que a plena administração da sociedade é uma contribuição máxima, enquanto o simples acompanhamento, à distância, dos negócios é mínimo.
Há, ainda, que se fazer breve menção acerca do conceito de affectio societatis, com o fim similar de aplicar-lhe uma classificação cuja finalidade é a simplificação de sua compreensão.
A affectio societatis é uma relação de mútua e plena confiança que cada sócio tem com o outro, de que cumprirá a parte a qual foi designado. É a convicção (ou, no mínimo, a legítima expectativa) de que a quem for designada uma prestação (seja ela patrimonial ou pessoal), corresponderá o ânimo e o dever de cumpri-la.
Em outras palavras, significa que cada sócio espera que as contribuições de capital e de trabalho sejam realizadas pelos outros sócios que com tais se comprometeram. Ora a affectio atenderá à contribuição de capital, pecuniária, portanto, ora a pessoal, de trabalho. A affectio societatis atua em função do intuitus personae quando a contribuição é pessoal. Por outro lado, quando a causa da obrigação tem origem numa contribuição de natureza patrimonial, a affectio societatis está em função do intuitus pecuniae.
Exemplos concretos ilustram adequadamente as classificações traçadas acima. Na sociedade limitada (tipo empresarial mais comum no Brasil), costuma-se afirmar que a affectio societatis prevalece em função do intuitus personae. Isso significa que a pessoa do sócio é importante para definição do negócio, contando-se com sua expertise e seu envolvimento pessoal para o desenvolvimento das atividades empresariais. Assim, os sócios podem/devem prestar: (a) contribuição patrimonial limitada e (b) contribuição pessoal máxima.
Na sociedade anônima, a seu turno, a affectio societatis encontra seu maior expoente no intuitus pecuniae. A figura do sócio, pessoalmente, deixa de ser relevante para o negócio, exigindo a própria lei a formação de uma diretoria administrativa ou mesmo de um conselho de administração, cuja tônica é, exatamente como sugere o nome, “despessoalizar” a administração da empresa. Nelas, os sócios podem/devem prestar: (a) contribuição patrimonial limitada e (b) contribuição pessoal mínima.
Existem tipos societários na legislação brasileira que não permitem a entrada de sócios com contribuições unicamente pessoais, desprovidas de capital, sendo obrigatório que todos ingressem, também, com pecúnia. Outras restrições também estão presentes, em alguma medida, em outras modalidades e formatações empresariais.
Portanto, a classificação dada pela doutrina econômico-jurídica acima cumpre sua missão quando é capaz de demonstrar as distinções entre cada arquitetura contratual, auxiliando (e não dificultando) o desenho adequado de negócios, levando-se em conta contribuições ofertadas à pessoa jurídica por cada sócio, entre trabalho e capital, a fim de adequadamente posicioná-lo na estrutura societária.